domingo, 7 de dezembro de 2008

Traumatismo colonial e memória

(1) Em síntese avisada e elucidativa, visando posicionar a Temática, em estudo e análise, temos, para Principiar, que:

---Colonialismo é forma de domínio económico, político e social exercido por um país colonizador sobre populações indígenas de territórios separados geograficamente deste país. Trata-se do processo pelo qual as nações ocidentais estabeleceram o seu domínio em variegadas partes do Mundo, distantes dos seus territórios natais. Sendo, por seu turno, Colonização o acto ou efeito de colonizar (povoar de colonos/estabelecer colónias em …).

---Memória: lexema oriundo do latim memoria, ae, memória é toda actividade biológica ou psíquica que permite reter experiências anteriormente vividas.

(2) Com efeito, o Colonialismo constituiu o ensejo para um desencadeamento da violência. Ou seja: política de canhoneira, expedições ditas “punitivas”, morticínios, expatriações de populações, recrutamento para trabalho forçado, execuções sumárias, torturas, violações, saques, enfim!...

(3) Pois bem! As violências ora enunciadas, causam um Traumatismo nos sobreviventes e, numa determinada medida, nos próprios actores/obreiros da violência. Por Traumatismo, no caso concreto, deve-se entender, obviamente, por uma “ferida” profundamente inscrita no Psiquismo (conjunto particular de fenómenos psíquicos que formam um todo), ferida que se caracteriza pelo facto de ser algo de indizível e inefável. Na realidade, os sobreviventes estão tão chocados que não encontram vocábulos, permitindo expressar o que viveram, nem quem infligiu o quê a quem. Além disso, experimentam a profundidade de um duplo abismo, entre a experiência que é a sua e relato que se pode fazer do evento, por um lado, e, entre a pobreza dos vocábulos e o que os seus auditores podem compreender do facto, por outro. Outrossim e, ainda, se escondem no silêncio e recalcam a expressão da violência, que se transmite, de geração para geração, pelos não ditos e sobressai, sob formas de novas violências, as vítimas de outrora, transformando-se, em determinadas circunstâncias, em perseguidores de futuro.

(4) De sublinhar, que estas feridas não são recuperáveis. Contudo, o traumatismo pode perder, a pouco e pouco, o seu potencial de violência com a condição de ceder lugar à Memória. Para isso, se afigura necessário elaborar um relato do que se passou e que a Comunidade produza do Evento, testemunhos, sob forma de monumentos comemorativos, de liturgias e de recordações. E, já agora, de feito, a verdadeira Memória é global enquanto “síntese mental”. Exige reconhecimento do tempo, por conseguinte, da diferença, da co-presença, do passado e do presente. A Memória é uma passagem de testemunho que se recorda e de muitas coisas que fez suas. Enfim e, em suma uma soma de livros abertos para outrem.

(5) Todavia, o que é facto, é que nada de tudo isso foi possível enquanto vigorou o colonialismo. De feito, as aldeias de África, da Ásia ou da América que possuem monumentos às vítimas do colonialismo se conta pelos dedos de uma mão. Na verdade, site de Wounded knee comemora o genocídio dos indianos das planícies, escassíssimos são as placas, as cerimónias, as listas de vítimas, os relatos de cada um dos episódios. Os Arquivos militares e civis permaneceram, muito tempo completamente encerrados. Poucos colonizados aí tinham acesso. Múltiplas censuras funcionaram. Sur place, a Memória popular não possui os meios para ultrapassar o indizível do traumatismo, de se constituir e de se exprimir publicamente. A morte de dezenas de milhares de trabalhadores do caminho-de-ferro do Congo uns cem mil vítimas (ignora-se o número exacto do acontecimento), dos alucinantes massacres de Madagáscar em 1947, jamais constituíram o objecto de relatos populares à medida e alcance respectivo do terror que permanece.

(6) Desde as Independências, a denúncia do colonialismo pelos intelectuais dos países dominados foi, muito tempo abafada pelos responsáveis políticos locais, com o objectivo de conservar boas relações com a antiga metrópole e pela solicitude ostentada de “reconciliação nacional”, porquanto os colonizadores têm ordinariamente beneficiados de alianças locais, sobremaneira vantajosas. Donde resulta, que o traumatismo colonial permanece secretamente sepultado no imo/cerne das Sociedades de tradição, corroendo-as no seu íntimo. Demais, os refúgios de sofrimento latente são assaz consideráveis. Explodem em violências inter-étnicas incontroláveis, que rematam a destruição colonial das sociedades da tradição.

(7) E, em jeito de remate avisado, na verdade, e, em compensação, jamais as Sociedades colonizadas foram joguetes, passivamente votados à violência do colonizador. Efectivamente, a despeito do violento choque, os colonizados não abdicaram nunca do seu poder de iniciativa e da sua inscrição na História. Souberam reinventar as tradições, domar o “apport ocidental”, adaptá-lo adequadamente e reutilizá-lo contra o colonizador. Enfim, deste modo, participaram, com lúcida eficácia na produção identitária, com competência para pôr em cheque à uniformização pelos fluxos culturais, absoluta e assumidamente. Sim, eis nos ante a segura eficácia da dinâmica interna das culturas nativas, dialecticamente arvoradas perante toda a espécie de opressão.

Lisboa, 23 de Novembro de 2008.

KWAME KONDÉ

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