quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

A Educação como descoberta da vocação pessoal

"Quand une société ne peut pas enseigner, ce n’est point

qu’elle manque actuellement d’un appareil ou d’une

industrie, c’est qu’elle a honte, c’est qu’elle a peur de

s’enseigner elle-même ; pour toute humanité, enseigner,

au fond, c’est enseigner ; une société qui n’enseigne pas,

c’est une société qui ne s’aime pas, qui ne s’estime pas".

Charles PÉGUY (1873-1914), escritor francês.




(1) Não há dúvida nenhuma, que a reflexão filosófica é eminentemente “análise criadora”. De consignar, avisadamente que é necessário partir do todo em filosofia, pois que, o todo nos é outorgado, à primeira vista. A nós compete saber incorporá-lo, assimilando-o proficuamente para além dos saberes sectoriais, especializados que são os nossos. De anotar, outrossim e, ainda, que a interiorização é análise desta totalidade inicial, pois que a análise é a própria démarche da criação filosófica. Aqui, ou seja, neste caso, em concreto, se ultrapassa, aliás, o quadro do ensino da filosofia. Todavia, não vai mais além, a não ser que se consegue contribuir para fazer tomar consciência aos alunos que a filosofia é um todo do qual devem aprender alguns elementos para poder ulteriormente transformar em seu proveito próprio, o que significa ter êxito numa tarefa, quão árdua e, quão difícil. Deste modo et pour cause, se contribuiu, efectivamente, para uma real Educação do Homem.

(2) De anotar, antes de mais, que a experiência concreta da Pedagogia filosófica é sempre uma experiência de frustração para o docente, que mede, concomitantemente, a exigência da Totalidade da Filosofia em si e de per si e o pouco de resultado que obtém dos alunos que permanecem demasiado alheios à profundidade da démarche filosófica. Enfim, de acentuar, todavia, que através da decepção momentânea é uma grande e nobre tarefa que se cumpriu.

(3) Sim, efectivamente, os que ensinam a Filosofia não mensuram a eficácia do seu ensino, assim como, quando reflectimos, não estamos nós próprios habilitados da nossa originalidade por si mesma. Porém, pode-se ter a esperança de aí chegar, na condição, contudo, de não fazer disso um objectivo fundamental, porquanto, na realidade, o único objectivo fundamental é a Verdade, pois que é, a única coisa que nos possa outorgar a força susceptível de superar todos os obstáculos, obstáculos inumeráveis, que, aliás, são inerentes ao Pensamento filosófico e que nada poderá fazer desaparecer.

(4) Todavia, o acto filosófico transporta em si mesmo, a marca da “qualidade principal do Homem”, ou seja, a capacidade de se superar a si próprio. Donde, aliás, as dificuldades particulares da reflexão filosófica abstracta não devem fazer olvidar o valor peculiar e sui generis, de cada ser humano. Demais, é perfeitamente possível que, lá onde o saber não passa, se transmite um ensino profundo, concreta e obviamente, a aprendizagem de valor humano. Sim, no fundo, no fundo, a responsabilidade pessoal constitui matéria para Educação.

(5) Vale a pena, trazer à colação, por razões óbvias, os avisados ensinamentos do psicanalista inglês, Donnald W. WINNICOTT (1896-1971), o mais assisado e esclarecido dos psicólogos da criança do Século XX pretérito, pois que, de feito, soube asseverar claramente que não havia educação que não se fundamente na Ideia de responsabilidade. Opostamente, à tendência que visava em extrair da psicanálise freudiana uma doutrina naturalista que privaria o indivíduo da sua responsabilidade moral, WINNICOTT mostrou, mera e simplesmente que a criança de mama possuía uma responsabilidade relativamente à sua mãe e que a tarefa formadora e orientadora consistia em fazer-lhe tomar consciência da sua responsabilidade com respeito a outrem. Com efeito, suprimir a criança toda responsabilidade, significa, ipso facto, recusar-lhe a dignidade de ser humano.

(6) Donde, ipso facto, a tarefa educativa, edificada sobre esta necessidade de educar a criança no sentimento da sua responsabilidade, consiste precisamente em encontrar o justo equilíbrio entre uma ausência total de responsabilidade e uma responsabilidade demasiado árdua e excessiva. De feito, oprimir a criança com uma responsabilidade à qual não pode fazer face e que não possui as forças morais conducentes a uma assunção efectiva, é completamente outrossim, assaz nocivo para a Educação da sua personalidade como reputá-la inocente de todo. O sentimento da responsabilidade, que faz parte do orgulho humano, torna patológico se ele se transforma em sentimento obsidiante de culpabilidade. Enfim, de consignar, com ênfase, que a função da Educação é sempre pessoal e, eis porque, obviamente, se pode cometer erros à partir de bons princípios, porquanto se trata de adaptar os princípios ao caso particular.

(7) À guisa de remate e conclusão pertinente, temos, então, efectivamente, que uma Educação conseguida é a que terá permitido a todos (individualmente e, não só) encontrar a vocação que lhe é próprio, peculiar e sui generis. Por seu turno, o termo vocação tem sido trivialmente utilizado exclusive no domínio religioso ou profissional. Todavia, pode se entender numa acepção mais lata, como o sentimento de unidade da pessoa através das suas diversas e variegadas actividades. De salientar, no âmbito desta dinâmica humana, que realmente os desejos e as possibilidades de uma criança são infinitamente mais numerosos que o que ela pode realizar. Eis porque, ipso facto, o papel da Educação é de proceder de modo que o que ela realiza, lhe outorga mais satisfação pessoal e que não lhe causa frustração, nem, outrossim, a sensação de sacrifício do que ela não pode realizar.

(8) Existe, efectivamente, por outro, um problema de escolha à raiz do problema da vocação. De salientar, entretanto, que esta escolha é fácil para alguns e difícil para outros. Assim, no âmbito desta dinâmica, a Educação se afigura não necessária aos que não sabem escolher por si próprios, de forma que possam encontrar segurança na escolha que terão feito e, não deixar que os eventos/acontecimentos escolham em seu lugar e, em seu nome. Donde, neste sentido, a vocação se assume como autêntica realização de si próprio pelo sacrifício livremente consentido entre mil possibilidades que se aliena.

(9) Assumidamente, exprimindo, não há dúvida nenhuma, que a Educação é, por conseguinte, esta tarefa filosófica que consiste em se basear na capacidade moral do Homem, na necessidade de despertar e de desenvolver a vontade humana e em discernir o valor particular de cada ser humano. De facto, o Homem é um Ser educável, infinitamente aperfeiçoável, sempre capaz de se superar a si próprio. Eis porque, efectivamente, a Educação não poderia ser a aprendizagem de uma adaptabilidade universal. Aliás, seria fazer do homem um “camaleão velhaco”. Na verdade, o que só a Educação pode ofertar é o rigor inteligível e moral em relação a outrem e, em relação a si próprio. Assim, nesta dinâmica, deve fugir ao escolho de um ideal puramente abstracto, que define um idealismo educativo impotente e incapaz de se confrontar com a realidade das fraquezas humanas, outrossim, porém, do escolho inverso de uma identificação demasiado simplista e, assaz espontânea na criança (como, outrossim, em muitos adultos), valores, aliás, inerentes à pessoa do Educador, ou existentes e presentes, num modelo apreciado e admirado.

Lisboa, 29 Dezembro 2008.

KWAME KONDÉ

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Da educação dos filhos

Todo o cidadão deve estar consciente que sobre si
Impende uma responsabilidade especial nas variegadas
Áreas e valências destinadas à reelaboração e transmissão
Adequadas da Cultura: Ciência, Arte, Escola e Comunicação Social.


(1) A Educação dos filhos é uma geração prolongada e a família é um “seio espiritual” no qual são acolhidos e alimentados: Trata-se, efectivamente de um ambiente afectivo, em que se forma a sua Identidade psíquica, moral e religiosa: Para ambos (os dois, os pais, obviamente), educar é uma vocação e um dom do Absoluto, ipso facto, um direito original, inviolável e inalienável, consequentemente um dever nobre. Donde e daí, o contributo de demais outras pessoas e instituições deve assumir um carácter de apoio e de integração, porém, evidentemente, jamais de substituição.
(2) Eis porque, os pais devem estar suficientemente próximos, quanto possível, dos filhos, pelo testemunho pessoal e pelo diálogo quotidiano, evitando ser possessivo ou, pelo contrário, demitirem-se das suas responsabilidades. E, comungando criticamente, com os doutos ensinamentos do venerando São João Crisóstomos (in Homilia sobre a carta aos Efésios 21,2), de feito: “para nós, tudo deve ser secundário, perante o cuidado pelos filhos e pela sua educação. Se desde o início ensinares as crianças a serem ajuizadas, conquistarão a maior riqueza e a glória mais válida”.
(3) De anotar, que, na verdade, a Comunicação educativa não se processa em sentido único. Os filhos contribuem e, de que maneira, para a formação dos pais. A família, no emaranhado diário das relações interpessoais, constitui o primeiro ambiente de humanização, “a célula primária e vital da Sociedade.”Nela, cada um aprende o seu valor de pessoa, porque se sente amado por aquilo que é e, não por aquilo que sabe, que faz ou possui.
(4) Na Escola, os cidadãos conscientes colocam-se ao serviço do crescimento integral do Homem. Fazem com que esta instituição, dedicada à elaboração e transmissão crítica da Cultura, não dê apenas noções e instrumentos de acção, outrossim, porém, razões para viver e valores de referência para a Liberdade. Promovem um sincero diálogo educativo, no qual o educador, com atenção plena de simpatia, valorize as energias interiores dos alunos, faça emergir as perguntas, desvende novos horizontes e se deixe educar, pois que, de feito, a “educação é coisa do coração”.
(5) No plano institucional, os cidadãos conscientes devem envidar todos os esforços possíveis, no desígnio de fomentar adequadamente a autonomia de cada comunidade escolar, em particular, para promover o direito das famílias a optar livremente pela escola desejada, sem discriminações, nem sobrecargas futuras.
(6) No fundo, no fundo, a Educação dos filhos é sumamente um direito-dever dos pais. A esse respeito, as demais instituições e formações sociais apenas desempenham uma função de apoio, supletiva e de controlo. Demais, rematando ajuizada e sensatamente, eis porque, uma pluralidade de escolas se afigura uma positiva vantagem para toda a Sociedade, pois que, evita o nivelamento cultural por baixo e permite que haja a fecundidade das várias propostas formativas.

Lisboa, 25 Dezembro 2008.
KWAME KONDÉ

Estudando a problemática da Educação

(1) Entregue a si próprio, possuindo, por recurso, apenas o seu próprio juízo, o Homem moderno procura, o melhor meio possível, de educar a criança até a sua assunção plena como Homem, autenticamente adulto, autónomo e, consequentemente pronto para enfrentar positivamente os inúmeros desafios da Vida e Existência respectiva. Eis porque, é coagido a efectuar ensaios, na ausência de poder ser guiado idoneamente pela Sociedade.

(2) A Cristandade medieva assenta sobre a missão educativa da Igreja cristã, que vincula a sua autoridade à Revelação e à Tradição. O indivíduo está desobrigado da responsabilidade educativa e destinado a obedecer a uma prescrição de origem Sobrenatural.

De feito, antes do estabelecimento do Cristianismo, a Educação assumia-se, sobretudo, como um problema de escol e de elites. Por seu turno, a Antiguidade clássica estimava que os melhores preceptores eram os Gregos, reputados pela sua precisão analítica e o seu conhecimento das Belas-letras (Gramática, Eloquência e Poesia). Todavia, de consignar que foi, unicamente o Cristianismo que se propôs Educar as pessoas modestas e humildes e, outrossim, de salientar, com ênfase, os escravos, em consonância com a Doutrina de Cristo, ulteriormente trazida à cena por São Francisco de Assis para a Cristandade estabelecida:

Todo homem, até mesmo,

O mais modesto é digno de amor pessoal

De Deus e, o escravo, do mesmo modo que

O Imperador, senão mais, existe

Pessoalmente aos olhos de Deus, que o

Criou por uma vontade particular.

(3) Donde e daí, temos em síntese ponderada e advertida que:

a. A Educação antiga assentava sobre um ideal de cidadão cultivado;

b. A Educação cristã sobre um ideal de moral outorgado ao Homem; e

c. A Educação moderna sobre uma pesquisa/investigação/procura perpetuamente inquieta, por falta de um ideal quão assente e quão definido.

(4) Antes de mais, porém, se antolha pertinente abordar algumas questões conceptuais. Ou seja

a. O problema filosófico da Educação não é o do ensino. Ensinar é só uma diminuta parcela da Educação, a que diz respeito ao Saber. Ensina-se uma matéria, enquanto se educa um ser humano.

b. A Sociedade contemporânea distingue docentes (que ensina) e educadores/pedagogos. Os primeiros habilitam as crianças a trabalhar e, os segundos, por sua vez, ensinam-lhes a jogar e recrear. Todavia, trata-se, de facto, de um uso limitado e abusivo do termo Educador. Assevera-se, por vezes, que os pais educam os seus filhos, enquanto os professores das escolas, dos colégios, dos liceus e das Universidades, os instruem.

c. Enfim, de consignar, com ênfase, que o Saber não é alheio à formação do Homem, na sua totalidade, no seu todo, evidentemente. Deste modo, efectivamente, o Conceito de Educação, se afigura, obviamente, como o mais englobante e abrangente de todos os que dizem respeito à Formação do Homem, absolutamente.

Lisboa, 24 Dezembro 2008.

KWAME KONDÉ

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Nos meandros da noção de Desenvolvimento Social

(a) Urge, de feito, mais que nunca, entrar, avisadamente na Noção de desenvolvimento social dos constituintes essenciais, enformando o percurso humano, designadamente: a satisfação das “necessidades necessárias” de todos, (sem excepção), a justiça social, um determinado grau de autonomia do indivíduo, a participação de todos, sem excepção, no processo do desenvolvimento social, a preservação do meio social e a protecção da Natureza, isto é, a protecção dos equilíbrios ecológicos que permitam a vida sobre Terra.
(b) Nesta dinâmica, evidentemente o novo desenvolvimento deve ser fundamentalmente “ecológico” (isto é, susceptível de privilegiar a relação ecológica do homem com o seu meio de vida). Eis porque, o seu objectivo primordial deve ser o homem (desenvolvimento social e cultural do homem, obviamente) e o bem-estar da Humanidade (incluindo, ipso facto, a Saúde como uma componente do bem-estar), baseando-se nos ensinamentos avançados pela UNESCO, desde os longínquos anos de 1998-99, do Século XX pretérito.
(c) Deste modo, por razões e motivos óbvios, o eco desenvolvimento/desenvolvimento sustentável (desenvolvimento económico planeado com base na utilização de recursos e na implantação de actividades industriais, de forma a não esgotar os recursos naturais) – dizíamos - constituem, evidentemente e, ipso facto, uma nova abordagem do desenvolvimento social, vinculando-se à ideia de harmonizar os objectivos económicos e sociais com uma Gestão quão íntegra e quão sensata do ambiente (meio de vida social adaptada à Biologia humana).
(d) Com efeito, obviamente, na medida em que o desenvolvimento actual visa a uma mera rentabilidade máxima dos investimentos através do sobre consumo e da deterioração respectiva da Natureza, só poderá outorgar à Saúde um papel auxiliar deste desenvolvimento. Pelo contrário, se o sector Saúde pode se tornar um sector rentável (designadamente, o sector “enfermidades”), desenvolvê-lo-á. É, exactamente, aliás, esta situação que se produziu no mundo contemporâneo, conducente ao desenvolvimento de uma “patologia moderna” vinculada à industrialização, à urbanização, ao sobre consumo, às desigualdades sociais, etc. que oferece um campo propício à economia industrial (indústria farmacêutica, equipamentos médicos, construções de hospitais, transportes, etc.).
(e) Contudo, a conexão entre Saúde e Desenvolvimento não é unicamente uma relação contabilística. De feito, incrementar o P.N.B. para manter o sistema actual de produção não basta para libertar uma exígua e diminuta percentagem do P.N.B. para a Saúde das populações. Por outro, a distribuição da Saúde-doença na população não será ela, outrossim, mais equitativa como é presentemente, se as necessidades de Saúde da população não foram tidas em consideração e reflexão, obviamente.
(f) Enfim, rematando, assertivamente, de feito, o problema de fundo, é o modo global de vida e o sistema de desenvolvimento que estão em causa contemporaneamente (situação, aliás, já denunciada pela OMS (desde o ano de 1974) e, outrossim e, ainda, mais a concentração económica e as desigualdades sociais.


Lisboa, 21 Dezembro 2008.
KWAME KONDÉ

domingo, 21 de dezembro de 2008

Desenvolvimento e Saúde

(1) Mais que nunca, a Experiência (esta Mãe da magna Sabedoria humana) tem demonstrado, à exaustão, a inexactidão de um dogma do após guerra: “o crescimento económico e o incremento do Produto Nacional Bruto (PNB) devia ter automaticamente por consequência a melhoria das condições de vida da população e da Saúde, até mesmo das camadas sociais mais desprotegidas”. Todavia; após mais de cinco décadas de esforços e de milhares de dólares consumidos para o desenvolvimento, os dois terços da população mundial não têm ainda acesso, nem à Saúde e, nem ao desenvolvimento, desafortunada e lamentavelmente. No entanto, em contrapartida, a situação não tem sido idêntica no domínio da Saúde. Aliás, vendo bem, com olhos de ver, a ecologia social humana foi mais adulterada nos países ricos que nos países pobres e a morbilidade exacerbou-se, e, de que maneira. Eis porque, em 1973, a vigésima sexta Assembleia mundial da Saúde (OMS, Genebra, Suíça), lançou um grito de alarme, no atinente à situação da Saúde no Mundo e estimulou a atenção dos governos acerca da crise da Saúde, tanto nos países ricos, como, outrossim, nos países pobres.

(2) Na verdade, a Saúde da População não constitui uma situação isolada no contexto sócio-económico da vida social humana. De anotar, que a única concepção médica da Saúde está completamente ultrapassada. Demais, a Saúde não pode ser um puro e mero produto do desenvolvimento e, mais, concretamente, de qualquer desenvolvimento.

(3) Por seu turno e, com efeito, as conexões da Saúde com o Desenvolvimento são, assaz estreitas, a ponto, que o estado de Saúde de uma população é reputado como um dos indicadores, aliás, dos mais eloquentes da orientação e da eficácia da Política denominada de “desenvolvimento”.

(4) Deste modo, obviamente, o Problema que se nos depara actualmente é o seguinte: Verificou-se que, a despeito da velocidade do crescimento económico do qual comprova a progressão do P.N.B. por habitante, existe muitas sociedades (desenvolvidas e em vias de desenvolvimento), amiúde incapazes de acudir às necessidades materiais elementares, de sectores importantes da sua população respectiva. Demais, de sublinhar o facto que o crescimento económico não engendra obrigatoriamente o desenvolvimento social do homem. Ao inverso, na realidade, o mero crescimento económico pode engendrar incidências sociais negativas, nomeadamente: degradação da Natureza e do meio ambiente social, a discrepância entre as necessidades económicas e sociais e, enfim, o incremento dos riscos biológicos da morbilidade.

(5) De feito, na verdade e, na realidade, as ideias actuais acerca do desenvolvimento social estão viciadas por um crasso erro de pensamento que se comete constantemente. Ou seja: que em vez de se conceber o “desenvolvimento” como sendo, primordialmente do homem, se o assimila ao desenvolvimento dos objectos, de sistemas e de estruturas. E, rematando adequadamente, temos que, na nossa óptica e perspectiva: o desenvolvimento deve ter, antes de tudo, orientação sobre o Homem e, acima de tudo, sobre todos os homens (sem excepção, evidentemente) e, não unicamente sobre um progresso quantitativo e qualitativo, no entanto, de natureza, puramente “material” mensurável pelo PNB.

Lisboa, 20 Dezembro de 2008.

KWAME KONDÉ

sábado, 20 de dezembro de 2008

Futuro da Saúde da Humanidade

Algumas ideias pertinentes no atinente ao Futuro da Saúde da Humanidade:

(A) Com efeito, jamais pode existir uma conclusão definitiva acerca dos problemas da Saúde-doença, visto que a Evolução humana e sociológica se transmuta incessantemente.

De consignar, que até às guerras de 1914-1918 e de 1939-1945, o “problema mundial”, no domínio da Saúde não se colocava nos termos em que se entende presentemente. A “crise mundial da Saúde” é uma consequência (como, aliás, a explosão demográfica, a urbanização e a desnutrição) da situação social actual. O direito à Saúde de todos os seres humanos, sem excepção, inscrito na Carta da Organização Mundial de Saúde (OMS), está longe de ser atingido, sendo que, cada dia que passa, se afasta do objectivo almejado.

(B) Efectivamente, a Saúde não é um elemento isolado, no âmbito da vida social humana. De feito, quando se pretende estudá-la num contexto isolado, as experiências estão, ab initio, condenadas ao fracasso e malogro. Sim, efectivamente a Saúde releva mais de uma reflexão colectiva sobre a finalidade e a organização da Vida em sociedade do que uma mera terapêutica médica ou de uma intervenção cirúrgica isolada. Aliás, nenhuma potência “outorgará” um direito à Saúde mesmo se a Saúde for um “direito” para o homem. Todo ser deve decidir viver em boa saúde, conservando e afinando o seu “património biológico”, o seu meio ecológico e social.

(C) Não existe, na verdade, direito à Saúde para todos no futuro sem a participação de todos e da população no seu conjunto (no seu todo, evidentemente). Assumidamente, Participação e Solidariedade são os conceitos chaves de toda nova démarche para a Saúde. Eis porque, as conexões entre as soluções técnicas e a participação fundamental na base estão no cerne do novo modo de vida, consequentemente mais propício para a Saúde positiva do Homem.

(D) A Prevenção e a Educação para a Saúde podem se desenvolver na medida em que determinados aspectos do desenvolvimento actual, exercendo efeitos indesejáveis, actuam, favorecendo uma tomada de consciência colectiva. Concomitantemente, no âmbito desta dinâmica, a Prevenção médico-sanitária e social deve se desenvolver no domínio da Genética, do ambiente social e da Educação Sanitária/Educação para a Saúde.

(E) Enfim, um tanto ou quanto, em jeito de remate avisado, visto que, realmente, as Comunicações entre os povos se tornam, cada vez mais frequentes e, cada vez mais estreitas, os Problemas de Saúde assumem, hodiernamente, uma dimensão mundial e planetária. Eis porque, ipso facto, a Epidemiologia (Área da Medicina e da Higiene que se ocupa das epidemias) vai ser tão indispensável como a Medicina clínica. E, identicamente, será para a análise ecológica e sócio-económica. Donde e daí, que a Cooperação Sanitária Internacional merece, por isso mesmo, ser repensada e reorientada, de forma, a mais consentânea e consequente possível.

De sublinhar, com ênfase, que, na verdade, antes que o “novo poder” do homem sobre a Natureza torne apenas controlável por alguns, assim, elocubrando criticamente na esteira e peugada do ilustre médico francês, J.Escoffier LAMBRIOTTE, temos, então que: “il est grand temps que les conséquences éthiques et sociales de la science soient comprises et pensées non seulement par les initiés mais par tous ceux qu’elles visent et qu’elles concernent”, ou seja, obviamente, por toda a população humana.

Deste modo, identicamente, se coloca o problema da Saúde de cada um e de todos, sem excepção.

Finalmente, se as tendências económicas, políticas e sociais continuam sem variações, não haverá “Saúde para ninguém” no futuro! Hélas!...Hélas!...Hélas!...

Lisboa, 19 Dezembro 2008

KWAME KONDÉ

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Equidade

Dois pontos prévios para principiar:

a) No âmbito social, uma divisão/repartição equitativa não corresponde à igualdade, na acepção estrita, da expressão. Pelo contrário, se assume, como uma “justa medida”, um equilíbrio, que permite tornar admissível um modelo de desigualdade quando a igualdade não seria admissível.

b) Por seu turno, no plano político ou económico, a Equidade se assume como o princípio que leva a corrigir desigualdades que se sujeitam pessoas ou grupos desvalidos.

(I)

Etimologicamente, expressando, o lexema/vocábulo: EQUIDADE provém do latim“aequul”: igual.

(II)

Por conseguinte, et pour cause, a Equidade é um estado de espírito que pretende ir além do que é justo, no plano legal, e pode do qual se opor à lei quando esta apresenta lacunas ou se evidencia inadaptada, até mesmo iníqua. Deste modo, a Equidade é deduzida por um princípio de justiça não escrito, anterior às leis e superior à estas. Eis porque, obviamente, se afigura, sobremodo, difícil de definir, o que é, genuinamente, a Equidade.

(III)

E, precisando adequadamente o húmus e o respectivo conteúdo de verdade da expressão equidade, estamos, deveras, perante um Sentimento de Justiça natural e espontânea edificada sobre o reconhecimento dos direitos de todos, sem que seja necessariamente inspirada pelas leis em vigor. De consignar, outrossim, que este Sentimento manifesta, por exemplo, aquando se deve apreciar um caso particular ou concreto, sem se deixar guiar pelas únicas regras do direito. No fundo, no fundo, é uma forma de Justiça que toma em consideração o espírito da lei quão da letra, para nisso moderar os efeitos ou fazê-la evoluir, comungando-se, crítica e pedagogicamente com o filósofo grego, ARISTÓTELES (384-322 a.C.), quando lucidamente asseverou: “ela - referindo-se à lei –se mostra insuficiente proporcionalmente ao seu carácter geral”.

(IV)

Donde e daí, grosso modo, numa síntese pertinente, a Equidade se pode definir como: respeito à igualdade de direito de cada um, que não depende da lei positiva, porém, de um Sentimento do que se reputa, imparcial, tendo em vista as causas e as intenções.

Lisboa, 18 Dezembro 2008

KWAME KONDÉ

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Moral da Política

(1) Quando se fala de moral, no âmbito da Política e, mais concretamente, num regime democrático, em particular, pensa-se, ipso facto, de imediato e, sem hesitação de espécie alguma, na integridade dos representantes eleitos do povo aos quais este confiou, por motivos óbvios, o desvelo de exercer em seu nome, o poder de governar. O pundonor, a honestidade “escrupulosa”, o desapego de interesses, o mais total possível, constituem, na verdade, o mínimo esperado dos que detêm o poder em nome do povo.

(2) Nesta nossa “posta” de hoje, a moral que pretendemos abordar não se trata do caso atinente aos homens do poder, enquanto indivíduos. Sim, efectivamente a relativa às decisões que tomam, evidentemente. Que HITLER e SALAZAR tenham sido íntegros, rectos, que enriqueceram ou não, pessoalmente, não é o que a História conservou das suas ditaduras. Do mesmo modo, se pode conceber e, isto, já aconteceu, aliás, que um regime “democraticamente eleito” toma medidas que chocam profundamente a moral, ou, mais, rigorosamente, esta parte da moral que se percebe como universal.

(3) Um tal regime, permanecendo um Estado de direito, eleito democraticamente e, com aprovação óbvia dos seus eleitores ou por referendum, poderia muito bem (racionando, um tanto ou quanto por absurdo), por exemplo, restabelecer a escravatura, utilizar a tortura, até exterminar uma parte “não desejada” da sua população. Destarte, não há dúvida nenhuma, que respeitaria a lei, as regras da democracia, a soberania do povo. Todavia, ninguém tem dúvidas de espécie alguma, que, efectivamente, seria politicamente íntegro e legítimo, no entanto, obviamente, sobremaneira iníquo, ética e moralmente quão odioso e quão execrável.

(4) Como se pode facilmente perceber do arrazoado expendido, o Estado de direito, a integridade moral e política dos dirigentes, a soberania do povo, a democracia mostram, no caso concreto, os reais limites. Por outro lado, sente-se que existe, acima destes valores, por certo, importantes, porém exíguos e escassos, um princípio superior em nome do qual é legítimo ( aliás, é mesmo, um dever), de se revoltar, se for violado. Seguramente, mesmo, se for contra uma decisão democrática, ou mesmo, de uma soberania popular.

(5) E, rematando, avisadamente e, de modo dialecticamente consequente: Que se denomina “moral universal”, Direitos do homem, justiça natural ou imanente ou meramente equidade, um tal princípio permanece, contudo, assaz problemático a definir. Enfim, todavia, isto não deve constituir um pretexto para cruzar os braços, obviamente.

Lisboa, 17 Dezembro 2008.

KWAME KONDÉ

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

O mundo em que vivemos

(1) Sim, efectivamente, vivemos num mundo em que política se confunde com interesse económico, malfadadamente.
(2) Vivemos num mundo inequitativo e injusto, em que os ricos são, cada vez mais ricos. Por seu turno, os pobres, sempre mais pobres e mais numerosos.
(3) Vivemos num mundo hipotecado numa corrida desenfreada ao consumo e à criação de novas necessidades, com os riscos para o nosso ambiente e as frustrações respectivas inerentes que ela gera obviamente.

Donde e daí, se impõe:
Estar atento, elegendo, no âmbito do cumprimento de missão, que se impende sobre todos nós, sem excepção, como Cidadãos do Mundo (Cidadãos planetários, a tempo inteiro) um elenco de ideias chaves, assaz pertinentes susceptíveis de nos orientar avisadamente.
Destarte, eis então, sem ser exaustivo, os grandes tópicos que nos devem orientar, nesta nossa Caminhada existencial, de forma consequente e, assim, possamos contribuir positivamente na edificação de uma Sociedade justa, sob o signo do Modelo construído sobre o Ser, evidentemente. Ou seja: Urge, lutar fervorosa e infatigavelmente para a edificação, antes de mais, de uma Política portadora de porvir, enformando um devir, assaz promissor, batendo consequentemente para a implantação efectiva das seguintes ideias chaves:
a) Abordar a Política de um modo abertamente adogmático, isto é, sem dogma intocável, sem pertença à nenhuma ideologia, sem nenhuma presunção em conhecer a verdade, nem as soluções aos problemas;
b) Abordar a Política de um modo revolucionário no atinente a determinados dos seus aspectos fundamentais;
c) Abordar a Política de um modo eminentemente pragmático, isto é, realista e não utópico, sabendo colher as boas ideias lá onde se encontram, evidentemente;
d) Abordar a Política de um modo assertivamente unitário, isto é, privilegiando a pesquisa/investigação do que coliga, harmonizando, de preferência, ao inventário do que desune.


Lisboa, 15 Dezembro 2008.
KWAME KONDÉ

domingo, 14 de dezembro de 2008

Multiculturalismo


a) Une Société démocratique doit traiter tous ses membres comme des égaux.

b) A Democracia deve garantir os direitos e o bem-estar de todos os seus cidadãos, sem excepção e discriminação de espécie alguma.

c) La question de fond que pose le multiculturalisme à toutes les sociétés contemporaines est une et une seule, celle de la modernité. Différence et identité, égalité et justice, relativisme et universalisme, rationalisme et subjectivité, citoyenneté, éthique…ces termes nous sont familiers.

Ce sont les catégories mêmes du projet moderne dans son ensemble qui se trouvent remises en jeu.

Au-delà d’un défi social et politique, au-delà d’un défi théorique e philosophique, c’est alors véritablement

Un défi de civilisation que nous lance le multiculturalisme.

Docente universitária francesa,

ANDREA SEMPRUNI


No plano etimológico, a expressão Multiculturalismo provém do latim multicultural + ismo, assumindo-se, grosso modo,

Por definição: como a coexistência de várias culturas num mesmo território, país etc.

1) De feito, Sociedades multiculturais sempre existiram. Aliás, de um determinado ponto de vista, se pode afirmar que, actualmente, quase todos os Estados nações são sociedades pluri-culturais, por causa, outrossim da variedade dos grupos e das populações que os constituem e os formam. Eis porque, não se deve confundir o multiculturalismo com o mero reconhecimento da existência de uma Sociedade multicultural.

Prosseguindo avisadamente, temos que, nas grandes Metrópoles contemporâneas, o espectáculo da diversidade cultural se dá à apreciar praticamente em todo lugar e à todo momento. Donde e daí, ipso facto, fazer referência ao multiculturalismo, não significa, obviamente se contentar-se com esta verificação autenticada. Significa, sim, reivindicar um reconhecimento político oficial da pluralidade cultural e um tratamento público equitativo de todas as colectividades culturais. Assim, evidentemente, o multiculturalismo se opõe, por conseguinte, absolutamente ao assimilacionismo que rechaça a expressão das dissemelhanças culturais, no âmbito da única esfera privada.

(2) Por seu turno, de consignar adequadamente que uma Política multicultural tem por desígnio/objectivo promover a igualdade de tratamento entre os diversos grupos culturais formando a Nação, da qual se reconhece publicamente a dignidade. Isso pode consistir, num primeiro nível, à sustentar a legitimidade da expressão cultural e política destes grupos. Isto pode, outrossim, num outro nível, ir até à implantar programas de “tratamento preferencial”, ou “discriminação positiva” (affirmtive action), que permite o acesso à igualdade de todos os grupos e que se envidem em corrigir e compensar os efeitos das discriminações negativas, directas ou indirectas. Estes programas são menos centrados sobre os indivíduos que sobre os grupos minoritários enquanto tais. Dizem respeito primordialmente às esferas do emprego e do ensino.

(3) De anotar, que primitivamente, o vocábulo multiculturalismo e o debate respectivo engendrado, na sequência, apareceram na América do Norte na década de setenta do século XX pretérito. Todavia, por seu turno, o Canadá fazia oficialmente a escolha de recorrer a uma Política denominada multiculturalista, para responder às reivindicações da minoria quebequense e dos demais outros grupos minoritários, autóctones ou oriundos da Imigração. E, outrossim, por sua vez, nos anos oitenta do século XX, os Estados Unidos da América vão multiplicar as medidas, indo no sentido do multiculturalismo.

(4) Na realidade, existe dissemelhantes versões do multiculturalismo. Algumas mais conservadoras, outras mais progressistas. Certas, porém, mais autoritárias, destinadas, antes tudo, à organizar a coexistência pacífica das comunidades, por outras palavras e, para melhor dizer, assegurar a Paz social. Outras, mais democráticas visando, aliás, promover a participação social e política de todas as minorias.

(5) Prosseguindo o nosso estudo, na verdade, o multiculturalismo como modo de gestão da diversidade cultural foi acusado de acarretar uma determinada reificação/materialização das culturas, favorecendo a preservação das culturas, concebidas como entidades, mais ou menos, estáveis, confundidas amiúde, no caso dos imigrantes, com as suas “culturas de origem” e se confinar outrossim na manutenção artificial dos grupos culturais. Foi, também acusado de participar na etnização das conexões sociais, concebendo a Sociedade como uma associação de comunidades étnicas e encorajando implicitamente os indivíduos a se definir pela pertença original à tal ou tal destas comunidades. As críticas mais virulentas julgam que o multiculturalismo transporta em si o risco de um separatismo comunitário e de uma fragmentação da sociedade, que pode ser, conforme a causa de um enfraquecimento da unidade nacional. Deste modo, longe de favorecer a integração social, o multiculturalismo engendraria a prazo, a desintegração da sociedade.

(6) Por outro, obviamente, o Multiculturalismo não pressupõe forçosamente o comunitarismo, que significa o fechamento de cada comunidade sobre si própria. O direito de todo indivíduo a ver reconhecida a pertença e a sua identificação a um grupo étnico, religioso ou cultural pode assumir como um direito fundamental. Numa democracia, parece difícil afirmar que a igualdade é respeitada, se, com efeito, os membros dos grupos minoritários não possuem idêntica possibilidade que os do grupo maioritário de aprender a sua língua e a sua história. Demais, como assevera o conceituado Professor de Filosofia, o canadiano, Charles TAYLOR (n-1931), ou seja, que, efectivamente existe uma determinada concepção do multiculturalismo que não se opõe, obviamente, ao individualismo.

De feito, as reivindicações multiculturais não constituem necessariamente a expressão de uma sinuosidade comunitária. Podem, pelo contrário, num bom número de casos, manifestar o individualismo crescente da sociedade e a necessidade, cada vez mais, manifesta, que experimenta cada indivíduo de ser reconhecido para o que pretende ser, através de uma identidade que ele concebe, quase sempre, de forma plural, elocubrando criticamente na esteira e peugada (ainda) de TAYLOR (1994).

(7) Por conseguinte, o multiculturalismo pode consistir em haver em consideração as dissemelhanças étnicas, religiosas e culturais para organizar a sua coexistência na permuta e no respeito de referências e de regras comuns, em tudo, quanto transcendem as pertenças particulares. Eis porque, efectivamente, segundo, aliás, o conceituado Professor/filósofo canadiano, Will KYMLICKA, o multiculturalismo, compreendido nesta acepção, se esforça em conciliar valores universais e consideração para os particularismos (KYMLICKA, 2001). Destarte, obviamente não se opõe ao Universalismo que afirma a unidade da Humanidade e a universalidade dos direitos do Homem. Sim, unicamente ao “universalismo abstracto” que apenas pretende ver na Humanidade indivíduos idênticos, prescindindo das suas particularidades, que são, contudo o seu modo real de estar no mundo.

(8) Enfim, o Universalismo do qual reclama esta concepção aberta do multiculturalismo é um Universalismo concreto, que não menospreza a magnífica e sublime diversidade, incessantemente renovada, das expressões da condição humana, sem para tanto, perder de vista que a pertença que suplanta todas as demais outras é, efectivamente, a pertença à Humanidade que implica para cada indivíduo, direitos e deveres idênticos.

E, rematando, de modo dialecticamente consequente, no fundo, no fundo, com efeito, toda a questão do multiculturalismo reside na dificuldade em conciliar os direitos do Homem e o direito de todos os indivíduos de pertencer à colectividades culturais particulares.

NOTA FINAL: Esta “posta” é dedicada a todos os elementos do TCHON DI KAUBERDI, este exemplo paradigmático de uma verdadeira e autêntica comunidade multicultural e, por extensão óbvia, ao histórico KORDA KAOBERDI, pois são, efectivamente, por razões e motivos óbvios, o nosso Herdeiro Espiritual, na verdadeira e genuína acepção da expressão.

Lisboa, 07 Dezembro de 2008

KWAME KONDÉ


domingo, 7 de dezembro de 2008

Traumatismo colonial e memória

(1) Em síntese avisada e elucidativa, visando posicionar a Temática, em estudo e análise, temos, para Principiar, que:

---Colonialismo é forma de domínio económico, político e social exercido por um país colonizador sobre populações indígenas de territórios separados geograficamente deste país. Trata-se do processo pelo qual as nações ocidentais estabeleceram o seu domínio em variegadas partes do Mundo, distantes dos seus territórios natais. Sendo, por seu turno, Colonização o acto ou efeito de colonizar (povoar de colonos/estabelecer colónias em …).

---Memória: lexema oriundo do latim memoria, ae, memória é toda actividade biológica ou psíquica que permite reter experiências anteriormente vividas.

(2) Com efeito, o Colonialismo constituiu o ensejo para um desencadeamento da violência. Ou seja: política de canhoneira, expedições ditas “punitivas”, morticínios, expatriações de populações, recrutamento para trabalho forçado, execuções sumárias, torturas, violações, saques, enfim!...

(3) Pois bem! As violências ora enunciadas, causam um Traumatismo nos sobreviventes e, numa determinada medida, nos próprios actores/obreiros da violência. Por Traumatismo, no caso concreto, deve-se entender, obviamente, por uma “ferida” profundamente inscrita no Psiquismo (conjunto particular de fenómenos psíquicos que formam um todo), ferida que se caracteriza pelo facto de ser algo de indizível e inefável. Na realidade, os sobreviventes estão tão chocados que não encontram vocábulos, permitindo expressar o que viveram, nem quem infligiu o quê a quem. Além disso, experimentam a profundidade de um duplo abismo, entre a experiência que é a sua e relato que se pode fazer do evento, por um lado, e, entre a pobreza dos vocábulos e o que os seus auditores podem compreender do facto, por outro. Outrossim e, ainda, se escondem no silêncio e recalcam a expressão da violência, que se transmite, de geração para geração, pelos não ditos e sobressai, sob formas de novas violências, as vítimas de outrora, transformando-se, em determinadas circunstâncias, em perseguidores de futuro.

(4) De sublinhar, que estas feridas não são recuperáveis. Contudo, o traumatismo pode perder, a pouco e pouco, o seu potencial de violência com a condição de ceder lugar à Memória. Para isso, se afigura necessário elaborar um relato do que se passou e que a Comunidade produza do Evento, testemunhos, sob forma de monumentos comemorativos, de liturgias e de recordações. E, já agora, de feito, a verdadeira Memória é global enquanto “síntese mental”. Exige reconhecimento do tempo, por conseguinte, da diferença, da co-presença, do passado e do presente. A Memória é uma passagem de testemunho que se recorda e de muitas coisas que fez suas. Enfim e, em suma uma soma de livros abertos para outrem.

(5) Todavia, o que é facto, é que nada de tudo isso foi possível enquanto vigorou o colonialismo. De feito, as aldeias de África, da Ásia ou da América que possuem monumentos às vítimas do colonialismo se conta pelos dedos de uma mão. Na verdade, site de Wounded knee comemora o genocídio dos indianos das planícies, escassíssimos são as placas, as cerimónias, as listas de vítimas, os relatos de cada um dos episódios. Os Arquivos militares e civis permaneceram, muito tempo completamente encerrados. Poucos colonizados aí tinham acesso. Múltiplas censuras funcionaram. Sur place, a Memória popular não possui os meios para ultrapassar o indizível do traumatismo, de se constituir e de se exprimir publicamente. A morte de dezenas de milhares de trabalhadores do caminho-de-ferro do Congo uns cem mil vítimas (ignora-se o número exacto do acontecimento), dos alucinantes massacres de Madagáscar em 1947, jamais constituíram o objecto de relatos populares à medida e alcance respectivo do terror que permanece.

(6) Desde as Independências, a denúncia do colonialismo pelos intelectuais dos países dominados foi, muito tempo abafada pelos responsáveis políticos locais, com o objectivo de conservar boas relações com a antiga metrópole e pela solicitude ostentada de “reconciliação nacional”, porquanto os colonizadores têm ordinariamente beneficiados de alianças locais, sobremaneira vantajosas. Donde resulta, que o traumatismo colonial permanece secretamente sepultado no imo/cerne das Sociedades de tradição, corroendo-as no seu íntimo. Demais, os refúgios de sofrimento latente são assaz consideráveis. Explodem em violências inter-étnicas incontroláveis, que rematam a destruição colonial das sociedades da tradição.

(7) E, em jeito de remate avisado, na verdade, e, em compensação, jamais as Sociedades colonizadas foram joguetes, passivamente votados à violência do colonizador. Efectivamente, a despeito do violento choque, os colonizados não abdicaram nunca do seu poder de iniciativa e da sua inscrição na História. Souberam reinventar as tradições, domar o “apport ocidental”, adaptá-lo adequadamente e reutilizá-lo contra o colonizador. Enfim, deste modo, participaram, com lúcida eficácia na produção identitária, com competência para pôr em cheque à uniformização pelos fluxos culturais, absoluta e assumidamente. Sim, eis nos ante a segura eficácia da dinâmica interna das culturas nativas, dialecticamente arvoradas perante toda a espécie de opressão.

Lisboa, 23 de Novembro de 2008.

KWAME KONDÉ