(a) Decidir é declarar a sua vontade. Eis uma asserção, sem dúvida, defensável na sua originalidade, por razões, assaz óbvias. Todavia, o que importa é saber em que sentido a Decisão política é uma Declaração. Deste modo, o que está comprometido é uma modalidade bem particular, ipso facto. Na verdade, estamos ante uma declaração que não incide sobre o estado efectivo do mundo exterior. Demais, não se trata, outrossim, de asseverar o que isso é da realidade, como numa declaração de roubo. Nem tão pouco, acerca de um dever ser, pois que, efectivamente, a recomendação, a autoridade moral não constituem decisões. Nem, outrossim, acerca do mundo interior do que declara a sua vontade. Não é questão na decisão dos seus desejos, das suas razões identicamente. Sim, evidentemente, os motivos ou os móbeis da decisão, quando, na verdade, outrossim, são enunciados, não fazem parte da decisão ela mesma. De feito, aliás, não constituem nisso, o máximo (quando muito), o preâmbulo e podem ajudar na sua compreensão respectiva.
(b) Com efeito, obviamente, a decisão política como declaração incide sobre o futuro: assevera ao que será. Não o faz sobre o modo de vaticínio/prognóstico ou da previsão/presciência (não está vinculado nem ao necessário, nem ao provável), porém, da prescrição (enuncia de modo performativo: isso será assim porque eu assevero (asseveramos) que isso será assim). Neste sentido, parece fervorosamente próxima do Verbo Criador: “Que a luz se faça!”Este paralelo é, aliás, demasiado antigo: a summa potestas do poder político se, naturalmente equiparou à potência divina. De sublinhar, que se trata, aliás, de uma figura recorrente na retórica da soberania. No entanto e, sem embargo, este parentesco é, pelo menos, assaz capcioso, evidentemente. De feito, de consignar, que se potência divina se caracteriza pela sua dependência imediata (“E a luz se fez”), em contrapartida, o poder político de decidir é todo mediação: passa por se efectuar pela vontade dos que ele comanda. O efeito que ele requer é a obediência. É a obediência que cumpre a prescrição. O estudo desta mediação é, por conseguinte, bem singular, porquanto a obediência aparece concomitantemente como efeito e condição da prescrição: uma vez, a decisão seja executada, a obediência aparecerá como efeito da autoridade que a tomou, mesmo que seja ignorada, tornando a colocar em questão a autoridade, ela aparecerá com a sua condição.
(c) Argumentar-se-á que este pode ser, outrossim, o caso da potência divina. Quando não se trata de criar, porém, proibir (“Não tocarás a árvore…”), é pela mediação da vontade humana que a autoridade divina visa se realizar, efectivamente. Requer, obviamente, uma obediência, facto que prova que possa ser transgredido. Todavia, exactamente, abrindo o espaço no qual esta obediência pode se realizar (o que denominar-se-á então liberdade), visto que a autoridade divina não releva da decisão, sim, ipso facto, do conselho, ou antes do imperativo. Por outro, faz da autoridade um motivo da obediência, pois que, pelo contrário, é a obediência como efeito da autoridade que requer a decisão política.
(d) Prosseguindo, pedagogicamente, de anotar, que, na verdade, a desobediência à autoridade divina não coloca, de modo nenhum, em questão, a potência e, nem a autoridade de Deus. Opostamente, a desobediência generalizada esvazia a autoridade política de toda a sua consistência. E, raciocinando, no âmbito desta dinâmica, eis porque, a questão tão importante que se prende com o direito de resistência não consiste em saber se pode recusar uma decisão da autoridade política, porém, se pode desobedecer-lhe, pois que, efectivamente, o poder de decidir e não a decisão particular é, seguramente a aposta. Deste modo, se verifica, aliás, de novo que a generalidade se encontra essencialmente vinculada à decisão política. De feito, individual a transgressão permanece uma infracção, generalizada. Por seu turno, generalizada aniquila a autoridade. De sublinhar, outrossim avisadamente que a desobediência civil é uma acção política poderosa. E, explicitando adequadamente as coisas, não há dúvida nenhuma, que a abstenção, a sua forma, concomitantemente radical e a mais degradada, é susceptível de colocar em perigo o poder democrático, privando-o do seu fundamento, porquanto o voto é, antes de tudo, uma autorização. Além disso, mais ainda que o número dos que votam em seu favor, o número dos votantes contribui para a autoridade da Lei.
Enfim e, em suma: se a autoridade divina e a autoridade política repercutem um no outro, pela obediência que exigem, para a liberdade dos a quem se dirigem é, na verdade, de modo sobremaneira dissemelhante. Com efeito, a desobediência/transgressão ou a revolta deixam intacta a autoridade divina, no entanto, aniquilam a autoridade política.
(e) A decisão política, como autoridade/poder é, por conseguinte, simultaneamente autoridade à e autoridade de. Enuncia, aliás, de forma canónica, principiando pela designação expressa dos a quem se dirige e se requesta pelo enunciado da decisão tomada. Destas duas dimensões, isso é evidente, a primeira define o estatuto da segunda e faz da declaração da vontade uma decisão. Este ponto possui uma importância quão apreciável e, assaz notável, pois que indica o modo sobre o qual a Decisão Política mantém conexões com a problemática da vontade.
(f) Ser-se-ia tentado, com efeito, deixando-se levar pela definição, mais comum, da decisão (este acto pelo qual uma vontade se determina), analisar a decisão política como uma decisão que transformar-se-ia política no que ela se significaria num segundo tempo como autoridade dirigida para outras vontades. Porém, aparece, neste caso, em concreto, que a relação é inversa. Ou seja: não é antes porque ela se dirige a outrem, exigindo a sua obediência voluntária como a decisão política diz, primeiramente respeito à vontade?
(g) Dito, destarte, de uma outra forma: o conceito da vontade que se encontra no esteio/fundamento no de decisão política não devolve, em primeiro lugar, à forma da subjectividade na sua conexão com o objecto (pretendo algo), no entanto, efectivamente à uma estrutura de inter-subjectividade (pretendo, pretendemos que veles). E, precisando apropriadamente, esta estrutura, em apreço e análise, é, outrossim, a da autoridade divina. Todavia, figura divina e figura política são, assaz dissemelhantes, como a monstra, aliás, a autoridade parental, num compromisso instável entre si, oscilando, ora de um lado, ora do outro: Faz-me obséquio, obedece! Na verdade, retomando o fio da nossa elocubração, de um certo modo, é porque ela constitui perante si vontades das quais ela exige a obediência como a decisão política, por um efeito de retorno, manifesta a decisão como expressão de uma vontade. Donde e daí, como relação e como acto de decisão política não admite a vontade de indivíduos pré-outorgados, sim, efectivamente, servindo-se como a sua co-construção.
(h) Um dos efeitos mais perversos do poder é, realmente, assaz eloquente a esse respeito. É uma manifestação comum do servilismo como ultrapassar as ordens do que detém o poder, antecipando as suas tomadas de decisão, sobre a vaga expressão de um desejo, o sinal anunciador de uma intenção, a interpretação de um gesto ou de uma mímica, até o mero juízo que tal poderia constituir a sua decisão. O servilismo antecipa-se de uma autoridade que não formulou. O ser servil faz da vontade presumida de um outro uma autoridade para a sua própria vontade. É a sua vontade de consentir que faz uma decisão da vontade presumida do a quem pretende deleitar. Fazendo isto, manifesta, aliás, claramente que, na conexão de autoridade, é a vontade do que obedece que é constitutiva da à qual ele obedece.
(i) E, rematando assertivamente, aparece, deste modo, que os dois conceitos e a vontade aos quais a noção de decisão política possui relações (por um lado, se define pelo seu objecto, o que é decidido, por outro pelos que ela coage) constituem uma relação que se poderia qualificar de contra intuição. De feito e, na verdade, enquanto ela exige a obediência dos que a quem ela se declara como decisão que a decisão política se manifesta como expressão de uma Vontade.
Lisboa, 18 Janeiro 2009.
KWAME KONDÉ
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