quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Dissertando sobre a Música, com o pensamento assestado sobre uma nova dinâmica para a arte/ciência dos sons no nosso País-Arquipélago

Para principiar: Dizer a música, pensar a música

Colocar, tout court, esta singela questão “o que é a música?”, é se situar, veridicamente, não na esfera da música, porém, sim, na do discurso sobre a música, mais precisamente do discurso filosófico. Dito de outro modo: já, colocando esta simples questão, abandona-se o âmbito/domínio da emoção e do afecto, o da instantaneidade, para, ao contrário, se colocar no âmbito/domínio da mediação e, numa percuciente asserção, no do conceito. Por conseguinte, o mero facto de colocar esta questão se arvora denso de pressuposto, sendo o pressuposto primordial desta questão se assumir como, algo segundo o qual se pode, de uma forma absolutamente legítima, pôr a questão do genuíno e autêntico sentido da música. Seja ainda: o facto de colocar esta questão supõe que se admite que da música, do afecto imediato que nos obtém até ao discurso que envida conceptualizar, determinar, não há dispersão, nem disfarce. Dito de outra forma: se a música é, antes de tudo, algo que se escuta, existe possibilidade – e necessidade, para o filósofo – dizer a música, pensar a música, plena e absolutamente. Eis, efectivamente, no fundo, o cerne da questão...
Se se admite que o discurso sobre a música jamais deforma a apreensão/percepção da música, isto supõe, mais uma vez, que não pode, por forma alguma, opôr dois domínios, que seriam, por um lado, uma compreensão imediata da música que relevaria do mero sentimento e, por outro, uma interrogação sobre a música (seja um discurso sobre a música) que relevaria do simples conceito. Dito de outro modo: não se pode absolutamente opôr o sentimento ou afecto ao conceito, na medida em que o sentimento não é primeiro e imediato, isto é, independente de todo o conhecimento e, por conseguinte, de toda a dimensão conceptual, porém, pelo contrário, completamente condicionado por um conhecimento e, mais amplamente por uma cultura que são primeiros, majestosa e efectivamente.
Pode-se, designadamente ilustrar esta ideia com exemplos extraídos da música – e reatar sobre este ponto o que se encontra e o que se lê nas histórias da música e, mais extensivamente nos livros sobre a música. O facto de saborear uma música, de apreciá-la, de fruir, por conseguinte, ter (possuindo avisadamente) um sentimento do belo quando se a escuta, eis algo que pressupõe um conhecimento, ou mais plenamente uma cultura permitindo a identificação do diferente/diverso. Não podemos apreciar uma obra musical se só entendemos no que escutamos um caos desordenado que se despedaça e se fragmenta em todos os sentidos. Donde e daí, a dificuldade para saborear os tipos de música que não se inscrevem na nossa cultura. Atentemos, aliás, no seguinte exemplo, ou seja: para o homem ocidental formado no que se designa por sistema tonal (sistema, aliás, assaz peculiar à música ocidental) experimenta, obviamente uma natural dificuldade, no atinente à compreensão de uma obra de música chinesa ou de música africana.

Enfim e, em suma, como escreve lucidamente o insigne filósofo alemão, Friedrich Nietzche (1844-1900), aprende-se a gostar da música – na acepção, em que, mesmo se não se tem consciência, se está familiarizado, não unicamente com tal tipo de instrumentação ou orquestração, tal tipo de organização rítmica, outrossim, porém e, sobretudo, com tal tipo de hierarquização e determinação das alturas. Com efeito, destarte, a música tonal talha e hierarquiza as alturas em tons e meio-tons de sorte que o homem ocidental está necessariamente perdido desde que ouve uma música na qual se opera com quartos de tons (mesmo se certos e determinados compositores hoje, nos nossos dias, designadamente os representantes da música espectral, entre outros, utilizam os micro-intervalos).
Se então não se poderia opôr à questão inicial e de fundo, aliás, nesta nossa avisada elocubração e, destarte, objectar que a música não pode ser o objecto de um discurso, porque é objecto de uma apreensão e de uma compreensão imediatas que não passam pelo conceito, é, na verdade, todo singelamente porque não há compreensão imediata que seria conceptual e que, como se asseverou, a apreensão e a compreensão de uma obra musical, nesse caso mesmo que se os crê imediatos, são mediadas – sem mesmo que se dê conta se não se presta atenção – pela cultura que se possui, isto é, por toda uma rede de sentidos que foi progressivamente adquirida desde a nossa infância, e cujos resultados se sedimentaram em nós, cultura que apenas nos permite haver uma apreensão estética e, por conseguinte, poder apreciar uma obra musical.
Neste sentido, pode-se avisadamente reatar uma expressiva tese kantiana. É, de feito, a ideia resumida na conspícua expressão de “revolução copérnica”.
Enunciemos muito sucintamente esta ideia: sustenta Kant que não se pode distinguir, como se fez até aí na filosofia, o objecto e o conhecimento ou representação do objecto, na medida em que o objecto não é nada de outro, pour moi qui en parle, que o conhecimento ou a representação que tenho disso.
Na verdade... verdade, o diverso que aparece à sensibilidade, seja o dado sensível, só pode ser identificado, determinado através dos conceitos dos quais dispomos, isto é, o nosso conhecimento. Deste modo, não se pode falar e, por conseguinte, colocar um objecto que seria um objecto em si, o que Kant designa precisamente da “coisa em si”, a saber o objecto tal como é em si mesmo e para si próprio, independentemente do conhecimento que temos disso (as nossas representações), porquanto somos nós que falamos deste objecto e que fala disso, precisamente a partir da nossa própria consciência.

Donde e daí, nesta dinâmica perspectiva respectiva, a nossa questão já não é nada mais a de se suspeitar do discurso e de saber se o discurso sobre a música não estaria condenado a deformar a música, pois que exclui desde então o irracionalismo (teoria que nega à razão humana a primazia que o racionalismo lhe outorga) sob todas as suas formas, obviamente.
No fundo, no fundo, a nossa questão é a de saber como um discurso sobre a música é possível: trata-se efectivamente de distinguir, entre a diversidade dos discursos efectivos que incidem sobre a música, os que são legítimos e os que não são.
À guisa de oportuno e percuciente remate, pode-se distinguir dois grandes tipos de discursos sobre a música.
O primeiro consiste em falar de si antes de falar da própria coisa. A obra musical já não é então um pretexto, visto que, o do qual falamos, é do estado de alma que em nós produz, gerando-o majestosamente. Afirmar de um trecho de música que é alegre ou que é triste, que evoca tal sentimento, é pretender e crer que este sentimento está inscrito no fragmento de música em si mesmo, sem dar conta que é meramente suscitado ou provocado em nós de uma forma contingente pela música, de sorte que o nosso juízo é inteiramente subjectivo e pode pretender à universalidade nula. Que se experimenta, independentemente do juízo de valor que se produz sobre ele, descrever um trecho de música à maneira da qual se pode descrever uma peça de teatro, uma pintura ou outrossim um filme: sendo dado que a música, por essência, não é uma arte figurativa ou representativa, é, destarte e, ipso facto, impossível de descrever uma obra musical à maneira da qual se narra um filme ou uma peça de teatro. Melhor ainda: como se pode produzir um juízo de facto sobre uma obra musical sem conhecer, pelo menos, os rudimentos do solfejo (exercício musical de leitura ou entoação de notas), que sozinhos permitem descrever esta?
O segundo tipo de discurso sobre a música consiste na análise técnica, no seu aspecto seco e árido. Que nos ensina, porém, propriamente um discurso que marca, não unicamente a tonalidade e os temas, mas as modulações e a forma de que procede o desenvolvimento? Se entendermos a música sem poder lê-la, ela se nos apresenta como um abismo/precipício entre o que entendemos e a teorização do crítico que decompõe o todo nos seus elementos. E é, efectivamente, idêntico para o que sabe ler uma partitura (conjunto das partes – vozes e instrumentos – que constituem uma obra musical). E, na sequência óbvia, emerge então a pertinente questão, ou seja: que conexão existe entre uma mera descrição de ordem musicológica das características de uma obra musical e a natureza de uma emoção que faz que essa obra nos agrade mais que as demais outras e nos parece encerrar outrossim uma significação infinita cuja análise não se poderá jamais dar conta – seja um excedente de sentido que faz o encanto desta obra e poder permanecer inefável e indicível?

Existe, então, como facilmente se pode depreender do arrazoado, acima expendido, um paradoxo (proposição ou opinião contrária à comum) do discurso sobre a música. De feito, é que não se poderia produzir o atoleiro/impasse sobre considerações técnicas que apenas permitem edificar veridicamente o discurso da obra de arte, isto é, autenticá-lo como incidindo sobre a obra sobre a qual pretende incidir e, por conseguinte, neste sentido validá-la. Contudo e, sem embargo, o discurso técnico permanece da ordem do juízo de facto que analisa e decompõe, que reduz um todo vivo nos seus elementos, entre os quais se estabelece uma causalidade mecânica – em suma, que falta o que constituir precisamente a vida e, por conseguinte, o sentido da obra musical.


Uma vez postos os considerandos, enformando o conteúdo do que intitulamos de principar, vamos prosseguir a nossa dissertação, conquanto, numa perspectiva mais dextramente directa, como complemento óbvio ao já exposto, que sublinhe-se, se asumia, ao contrário, num tom mais de índole filosófica.
Donde então:
O lexema música, oriundo do latim música, do grego mousiké (das musas, das belas-artes, especialmente dos sons) assume, buscando fundo, na sua magistral essência, antes de tudo, o seu verídico conceito/noção de arte e ciência de combinar harmoniosamente os sons. Explicitando adequada e pertinentemente: como ciência pertence aos domínios da acústica (parte da física que trata do som/estudo das relações dos intervalos, detectando as propriedades das cordas vocais); como arte situa-se no âmbito das manifestações do espírito, cuja interpretação pertence à estética (que diz respeito ao sentimento do belo).
Donde e destarte, no primeiro caso os limites são propostos pelo ouvido, visto que o mundo da música é o audível. Já, entretanto, no segundo caso ergue-se uma complexa problemática de carácter filosófico e psicológico, postulada pelas noções conceituais de Arte e Belo e respectivos reflexos no ser humano.
De salientar, consignando expressivamente que a ciência musical vive da sua matéria específica, que é o som e a escrita. Por seu turno, a arte musical, realizada sobre o signo do Espírito, nasce da inspiração e afirma-se na exteriorização. A inspiração dificilmente supre a ausência da técnica e nem toda técnica se consegue exprimir em termos de inspiração.
Enfim e, em suma, numa sagaz e facunda asserção, a música é o som organizado e intencional, plena e absolutamente.

Assentando dialecticamente as ideias, temos então que a emissão, transmissão e captação do som correspondem a outros tantos fenómenos físicos perfeitamente caracterizados. Nesta perspectiva e dinâmica, a matéria musical é, ipso facto, irreal, artificialmente depurada dos sons naturais e artificiosamente produzida pela voz humana ou pelos instrumentos.
Importa sublinhar que o som, não é mais, nem menos, o resultado da vibração do ar quando resulta, periódica e regular. De contrário, temos o ruído, evidentemente.
A altura, a duração, a intensidade e o timbre são as qualidades do som. A distinção das vozes e dos instrumentos é outorgada virtuosamente pelo timbre.
As relações entre os sons estão organizadas em bases lógicas de fundamentação matemática, sendo que cada som se arvore acompanhado de séries de sons, os harmónios, de verificação prática e científica.
Prosseguindo pedagogicamente este nosso estudo, temos que o som em movimento gera o ritmo, elemento essencial da música e anterior a qualquer concepção musical. Os povos primitivos puderam ignorar a harmonia e até a melodia, porém todos e em todas as épocas e latitudes conheceram o ritmo, pois que faz parte integrante da vida onde quer que ela se manifeste. Compete, sim e, demais, ao homem captá-lo e organizá-lo adentro de esquemas inteligíveis.
De feito, essa é, aliás, a função da música desde os ritmos livres da música grega ou cristã, por exemplo, monódica ou polifónica até às mais complexas.
Não se deve confundir o ritmo com o compasso que se refere a grupos regulares de unidades de tempo, separados por uma barra cortando a pauta verticalmente com determinados apoios. Hodiernamente, o ritmo desperta (e tem despertado sobremaneira) a curiosidade de estudiosos e pedagogos para uma maior relevância na compreensão do estudo da música.
Importa consignar, que dois sons sucessivos formam um intervalo que, por seu turno, tocado concomitantemente faz um acorde que pode ser de dois, três ou mais sons. O acorde, ainda e outrossim, a juízo do ouvido arvora em consonante ou dissonante. De anotar, que a definição de consonância anda vinculada à história da evolução da música e processa-se na medida em que os sons naturais harmónicos vão entrando no uso corrente. Enfim, os acordes são maiores ou menores conforme fazem parte duma escala maior ou menor, sendo o significado desigual nas várias formas de cultura.
No Ocidente, uma escala é uma série de vários sons de frequências distintas que aumentam em progressão aritmética, aceitando que a derradeira tem o dobro das vibrações da primeira na relação matemática 2:1, que é a sua oitava. Destarte, designa-se frase musical uma série de sons que se sucedem em obediência a certa lógica, tal como as palavras num poema.
A nota que serve de base ao discurso musical cria a tonalidade, sendo, por seu turno, modulação a passagem de um tom a outro. Constituem a harmonia o estudo do acorde e a sua respectiva concatenação, cuja leitura é feita partindo da base do acorde.
Consiste o contraponto na construção de várias melodias interdependentes, considerando as relações de nota com nota (punctum contra punctum) ou frase com frase (contraponto imitativo). Vale a pena consignar que historicamente, a harmonia é ulterior ao contraponto.

Abordando agora a questão que se prende com a escrita musical somos coagidos a asseverar, com efeito, que, na verdade, criar um sistema de escrita que pudesse reter a música para durar no tempo não foi tarefa fácil, pelo contrário. De feito, medeiam muitos milhares de anos entre os sinais dispersos que ostentam símbolos musicais e os primeiros documentos escritos de música escrita. Pode afirmar-se que a evolução de música em qualquer parte do mundo se processou na razão directa dos métodos de escrita inventados para a fixar na matéria, desde a pedra, o papiro e o pergaminho até ao papel. O mais vetusto e prístino dos sistemas que se conhece, abonados documental e teoricamente é o grego. As notações babilónicas, assírias ou egípcias e demais outras aparecem como subsidiárias daquele, a despeito da dificuldade de separar eventuais e possíveis influências entre todas.
O mais antigo documento escrito da música helena é o papiro que contém certa passagem da tragédia de Eurípedes (século V a.C.), a despeito de se saber da existência da escrita desde o princípio do século VII a.C. Deve-se ao senador Alípio (século IV d.C.) um tratado sobre a matéria, as Tábuas, que notam uns 1600 sinais ou interpretações de sinais! Efectivamente, era uma notação completa para todos os graus dos 15 tons e para os três géneros de música, o diatónico, o cromático e o enarmónico, além das nomenclaturas para os instrumentos. Por motivos pouco claros todo este acervo notacional se perdeu, infelizmente. Donde e daí que foi necessário recomeçar do nada e do vazio respectivo. Após um longo processo de tentativas, a imprensa veio fixar, em definitivo, a escrita musical do Ocidente.

Actualmente, todo o executante tem na sua frente uma partitura escrita, onde estão indicados os diferentes sinais a reproduzir: notas, ritmos, movimentos, etc. Antes do advento do ano mil e do canto gregoriano, os músicos não usufruiam desta vantagem, pois a memória e a tradição oral bastavam. A complexidade crescente da música tornou a notação (conjunto de sinais) indispensável, conquanto já na Mesopotâmia, no Egipto, na Grécia e em Bizâncio tivesse havido algumas tentativas em tal sentido. Porém, como estes sistemas são de decifração/interpretação difícil, o Ocidente teve de os recriar. O canto gregoriano, tirando partido da experiência bizantina, baseada nos acentos gramaticais, recorreu a uma espécie de estenografia/taquigrafia (arte de escrever por abreviaturas com a rapidez com que se fala), de acentos, intervalos e ritmos. Eis-nos assim e destarte ante a época da prístina escrita neumática.
No século XI, o monge e musicólogo italiano, Guido d’Arezzo (c.990 – c.1050) codificou o emprego da pauta e o nome das notas. Utilizava-se outrossim, nesse tempo, o alfabeto: a (la), b (si), etc., ainda em uso na Alemanha e Inglaterra – o ‘b’ representando uma nota indefinida, grave ou aguda, que determinará ulteriormente, o princípio da alteração para o bemol, bequadro e sustenido. Quanto ao ritmo, o neuma primitivo dará origem a um sistema complicado, de proporções por conexões (uma breve mais uma longa), a tablatura do alaúde, etc.
Em resumo/ressunta: foram efectivamente necessários sete séculos para que fosse elaborado o solfejo clássico, tal como se apresenta nos nossos dias. Porém, hoje a música electrónica não se condiciona a ele, originando, destarte, uma notação estabelecida sobre bases dissemelhantes.

No atinente à estética, de feito, a própria natureza da música consente a oscilação entre o apreço da técnica e a linguagem do Espírito. Já Aristóteles (384 – 322 a.C.) e o filósofo e músico grego Aristóxeno (375 e 360 a.C.) a defenderam das limitações acústicas dos discípulos do filósofo grego Pitágoras (cerca de 580 – 500 a.C.), em nome dos direitos da percepção (aísthesis) de raiz espiritual. A diferença entre o tempo matemático-objectivo e o tempo musical-subjectivo, bem como entre sons físicos e artísticos e dinamismo acústico e psíquico, foi e continua a ser terreno fértil para largas divagações de tom mais ou menos polémico. A Antiguidade contentou-se em situar o problema em termos pragmáticos de ordem moral. A estética musical dos helenos fundava-se na doutrina do ethos, que consistia em atribuir a cada composição um determinado sentimento susceptível de actuar sobre o espírito. Os aspectos do ethos agrupavam-se em três principais: o diastáltico, o exicástico e sistáltico. Os efeitos desta doutrina culminaram na filosofia de Aristóteles e Platão, perdendo prestígio com outras demais escolas filosóficas como as do filósofo Demócrito (460 – 370 a.C.), a dos Sofistas e Estóicos.
O neopitagorismo e o neoplatonismo reacenderam as velhas teorias estéticas musicais que, com algumas modificações, passaram ao ambiente cristão, dominando toda a Idade Média até ao Renascimento. O prestígio jamais abalado da música na sociedade favoreceu a curiosidade pelo fenómeno em si, visto por uns, numa espécie de dialéctica matemática e, por outros, num idealismo demasiado abstracto. Porém, sendo a música exterior à natureza das coisas, insere-se entre o objecto e o mistério que o prolonga. Donde advém toda a dificuldade que dificulta significativamente avançar um juízo único e definitivo.

Enfim e, em suma: o desenvolvimento e a aceitação social da música, conduziu esta sublime Arte a uma diferenciação formal, cada vez maior. De tal mdo que, conforme as aplicações práticas a que está sujeita, a música pode ser abstracta, concreta, vocal, coral, religiosa, profana, de câmara, de dança, instrumental, a capella, livre, medida ou mensural, de cena, de cinema, militar, popular, descritiva, sinfónica, de jazz, etc., etc. As actuais experiências sobre a música electrónica e a música concreta ultrapassam o âmbito tradicional das leis acústicas e da estética, criando situações sonoras que, se podem reputar adentro de uma linha evolutiva da história da música, contudo, não conseguem afirmar-se, numa linha de progresso. Eis porque, se afigura veridicamente manifesta estabelecer a dissociação entre a técnica e a arte. De feito, o eclipse desta anuncia a morte da música introduzida num mundo trans-histórico...


À guisa de percuciente remate, para terminar:
No sentido de uma melhor elucidação do conceito/noção do lexema música e, visando, acima de tudo, posicionar dialéctica e adequadamente o seu húmus de fundo (leia-se, outrossim, o seu peculiar conteúdo de verdade), na verdade...verdade, de feito, sob o patrocínio da musa Euterpe (uma das nove musas, na mitologia greco-romana, inspiradora da música, representada com uma flauta, instrumento do culto dionisíaco) – dizíamos –, a “arte de combinar sons” se afigura ser a mais misteriosa das artes. Com efeito, se, na realidade, a música pode imitar a natureza (o canto dos pássaros, etc.), não representa visualmente nada, como a pintura ou a escultura, que, mesmo abstractas oferecem à visão superfícies de volumes materiais, ou a poesia, que emprega palavras, palavras que designam majestosamente objectos, ideias ou sentimentos.
Baseada em sons naturais ou artificiais, a música parece só representar a si própria, tornando-se difícil explicar, a despeito dos estudos feitos, o porquê da magia que exerce sobre o mais íntimo do nosso ser.
Finalmente, se foi necessário situar a música em relação às demais outras artes, plásticas ou literárias, é não só, para definir a sua natureza singular, outrossim, porém, para lembrar que a evolução desta se deve, outrossim e ainda, à acção das demais outras artes. Vinculada primeiro à palavra/vocábulo, tornou-se melodia (combinação dos sons sucessivos, como os que produz o canto de uma só voz) e ulteriormente à dança (movimentos rítmicos do corpo), fazendo surgir o movimento do corpo consoante as diversas figuras, regidas por certas convenções. Enfim, conduzida a imitar a Natureza, tornou-se descritiva.
Ipso facto et pour cause, todas as suas formas dependem da arte da proporção. Dito por outras palavras, sempre se assumiu, como que uma arquitectura em movimento. Com efeito, só se tornou música, no sentido exacto e genuíno, quando as leis da tonalidade foram descobertas, graças aos esforços e pesquisas dos organistas e cravistas: primeiro com a fuga (composição musical em estilo polifónico, na qual se desenvolve um pequeno tema, reproduzindo-o em imitações livres), em seguida com a sonata (peça musical para instrumentos em que as partes divergem em carácter e andamento).
O romantismo (“movimento espiritual de alcance europeu que exibiu, em toda parte, os rasgos do impulso revolucionário e do dinamismo aberto) irá exprimir através dela (obviamente a sonata) os estados de alma do compositor ou das personagens, reais ou imaginárias, respectivamente na música de câmara, música sinfónica, ópera.
De consignar, acentuando que hoje em dia, o significado da música depende de novas concepções, que de modo nenhum rompem com a sua origem, que ainda consiste em combinar os sons de molde a serem aceites pela nossa sensibilidade e sentimento.
O conhecimento da música é inseparável da sua técnica, componentes, som, ritmo, arquitectura e realização instrumental. Uma vez tornada linguagem moldada em formas ao serviço do culto ou da diversão, a aventura histórica da música está intimamente vinculada à do homem e às suas ideias.

Nota final: Esta nossa “posta” é dedicada a todos os elementos do TCHON DI KAUBERDI, com votos de um avisado estudo, evidentemente…


Lisboa, 03 Fevereiro 2009.
KWAME KONDÉ


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